Projeto do deputado Vicentinho (PT-SP) proíbe revogação de cláusulas de convenções e acordos no período
O Projeto de Lei 3866/20, do deputado federal Vicentinho (PT-SP), proíbe a revogação de cláusulas sociais previstas em convenções coletivas e acordos coletivos e individuais de trabalho enquanto durar a pandemia de covid-19. O PL inclui categorias em serviços públicos e privados de atividades essenciais como saúde, segurança pública e abastecimento e, segundo o deputado, também os bancários, e segue em análise na Câmara.
De acordo com Vicentinho a motivação para o PL está na situação dos trabalhadores dos Correios, cujo acordo coletivo deveria valer até 2021, mas cuja validade foi derrubada após decisão do ministro do STF, Dias Toffoli, que concedeu liminar suspendendo a vigência por dois anos e dezenas de cláusulas. “Então comecei a me preocupar também com as outras categorias, bancários, enfermeiros, e médicos... Se essa moda pega, vão acabar com os direitos dos trabalhadores no que se refere a cláusulas sociais”, afirmou, em entrevista exclusiva ao Sindicato – leia mais abaixo.
Pelo texto do PL serão mantidas as cláusulas sociais das convenções e acordos mesmo vencidos seus prazos de validade, sendo preservada a data-base e o início de vigência de novo instrumento que o substitua. E as negociações poderão ser retomadas 45 dias após o término da pandemia ou a qualquer tempo, por acordo entre as partes, desde que para inserir cláusulas mais benéficas aos trabalhadores.
Para o presidente do Sindicato, Belmiro Moreira, o PL vem ao encontro do que reivindicam os bancários, que é a ultratividade, ou seja, a garantia de manutenção da atual convenção coletiva de trabalho da categoria mesmo após 31 de agosto deste ano, um dia antes da data-base da categoria. “Muitas vezes a renovação da CCT ou acordos específicos por bancos é complexa e não acontece no período de vigência. Sem a ultratividade não há garantia de manter os direitos”, explica. A proibição da ultratividade é uma entre as muitas mudanças prejudiciais aos trabalhadores originadas na reforma trabalhista.
Leia, abaixo, íntegra da entrevista com o deputado federal Vicentinho concedida ao Sindicato
Sindicato - Qual a motivação para o PL 3866?
Vicentinho - Apresentei esse projeto de lei exatamente em função de um risco, a partir da realidade dos trabalhadores dos Correios, que também são considerados trabalhadores essenciais nesse momento de pandemia. Eles tinham uma data-base que venceria em 31 de julho do próximo ano, mas a direção dos Correios entrou com pedido e em liminar o Toffoli (Dias Toffoli, ministro do STF) decidiu diminuir um ano essa convenção coletiva. Isso fere a autonomia sindical da relação de trabalho. A intenção deles é retirar as 70 cláusulas da convenção coletiva e apresentar apenas 9, em piores condições. Então comecei a me preocupar... meu Deus do céu, e as outras categorias? E a categoria dos bancários? Dos motoristas? Enfermeiros, agentes comunitários de saúde, médicos, enfim... E todos aqueles que são obrigados a trabalhar nesse período? Se essa moda pega, vão acabar com os direitos dos trabalhadores no que se refere a cláusulas sociais. A ultratividade (é) um golpe quando fizeram esta famigerada reforma trabalhista, é claro que nós queremos vetar... quando esse veto do Bolsonaro (à ultratividade) for apreciado na Câmara, mas todos nós sabemos o quanto é difícil derrubar o veto (*). Por isso a motivação para esse projeto. E os bancários também passam por situações muito parecidas: é preciso preservar esse direito que é uma tradição das negociações para a nossa classe trabalhadora.
Sindicato - O sr. avalia que os riscos de perda dos direitos dos trabalhadores brasileiros cresceram com a pandemia? Por quê?
Vicentinho - Sim, cresceram e cresceram muito. Em primeiro lugar há a situação das demissões. Nós já sabemos que, inclusive na região do ABC, trabalhadores com carteira assinada em 1989 eram 363 mil, portanto (pessoas) que tinham direito a férias, aviso prévio, fundo de garantia, convenções coletivas, 13º, enfim, vários direitos. Antes da pandemia, já em 2000, esse número caiu para 180 mil trabalhadores e trabalhadoras. Isso significa que a maioria já estava na economia informal. Com as leis de precarização a situação se agrava mais ainda - em que pese termos dado um salto de qualidade no Congresso quando votamos os R$ 600 (de auxílio emergencial), pois o Bolsonaro queria nada, inclusive reduzir o salário dos servidores, depois apareceu com R$ 200; nós queríamos R$ 1.045 mil, mas chegamos ao entendimento possível de que deveria ser de R$ 600 a R$ 1.200... Então é bom lembrar que tem muita gente que tem recebido esse valor e não sabe de onde vem esse dinheiro, muita gente acha que foi uma dádiva do Bolsonaro, coisa nenhuma!, foi o Parlamento que decidiu, dinheiro do povo voltando para o próprio povo. Mas não é só isso, as próprias convenções coletivas, as demissões, a redução salarial, tudo isso são riscos para a retirada dos direitos dos trabalhadores. E eu sei que na categoria dos bancários, lamentavelmente, as demissões estão acontecendo.
Sindicato - O PL também atingiria a categoria bancária, que não está citada explicitamente no texto?
Vicentinho – Sim, atinge. Não deu para citar todas as categorias evidentemente porque a citação está apenas na justificativa, mas o projeto é para todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras que estão em condições consideradas essenciais para o enfrentamento da pandemia. É proteger o patrimônio das negociações.
Sindicato - Qual é o estágio em que o projeto encontra na câmara e quais os próximos passos?
Vicentinho - Bom, normalmente quando você apresenta um projeto na Câmara vai para a mesa diretora, para a mão do presidente da Câmara e ele encaminha para as respectivas comissões permanentes, ou seja, comissão de trabalho, comissão de constituição e justiça... e daí aprovado nessas ou em outras comissões vai ou para plenário ou direto para o Senado, e no Senado há o mesmo procedimento; se por acaso o Senado muda o conteúdo do projeto ele volta para a Câmara e a Câmara dá a palavra final ou aceita as mudanças do Congresso ou aprova como foi enviado para o Congresso. A partir de então o presidente do Brasil terá prazo de 15 dias para sancionar o projeto, e ao sancionar vai promulgar, e ao promulgar vai publicar, portanto é um processo lento. Mas, dependendo do interesse, dependendo da mobilização, a gente pode fazer fazê-lo avançar. Uma outra forma, e por essa estou lutando muito, é solicitar - e já fizemos isso na bancada, porque nesse projeto estou tendo apoio de 42 deputados da nossa bancada, já conversamos com o líder, já decidimos que o líder solicitará ao presidente da Câmara, ao colégio de líderes que seja aprovado e levado para o plenário ao sistema de emergência, colocar o projeto na condição de urgência. Colocando o projeto na condição urgência ele passa a ter prioridade e não precisará se submeter a nenhuma das comissões. Será apreciado diretamente no plenário da Câmara. São esses passos que nós queremos dar, quem sabe a gente tenha novidade, e eu espero o mais breve possível.
Sindicato - De que forma os trabalhadores podem pressionar para que esse PL seja aprovado?
Vicentinho - Bem, em primeiro lugar enviando uma mensagem para todos os deputados, no caso de São Paulo recomendo que se mande mensagem pedindo a aprovação do projeto aos 70 deputados... Para mim não precisa, né? Eu sou autor do projeto (risos). Mas aos 70 deputados, falando da importância da proteção desse patrimônio das relações de trabalho. Esse é o primeiro passo, mas como se trata de um projeto nacional, recomendo que o Sindicato, os companheiros bancários do ABC, através do presidente, do nosso companheiro Belmiro, que entre em contato com federações, confederações e sindicatos do País inteiro, porque só assim a mensagem ganhará um peso muito grande dialogando com todos os deputados. Aqui (no Congresso) vamos fazer a nossa parte, mas é importante a pressão popular para a defesa. E se vocês tiverem contato com outras categorias como motoristas, setor farmacêutico, enfim, trabalhadores aos quais já me referi antes, melhor ainda.
(*) O presidente da República Jair Bolsonaro sancionou com vetos, em junho passado, o texto que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Entre os vetos está o trecho que tratava da ultratividade, pois dizia que “as cláusulas das convenções coletivas ou dos acordos coletivos de trabalho vencidos ou vincendos, salvo as que dispuserem sobre reajuste salarial e sua repercussão nas demais cláusulas de natureza econômica, permanecerão integrando os contratos individuais de trabalho, no limite temporal do estado de calamidade pública, e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva”