Única representante dos empregados no Conselho de Administração do banco, conselheira aborda as recentes notícias envolvendo a empresa pública, alerta para as ações do governo contra a Caixa e enfatiza: o que se quer é desvalorizar a instituição, para favorecer o mercado financeiro privado.
Várias questões envolvendo a Caixa vêm sendo veiculadas pela mídia nos últimos dias, e a maioria tem uma conotação negativa. Há uma nova onda de ataques ao banco?
Rita Serrano – Sim. Em primeiro lugar temos que lembrar que estamos passando por um momento dificílimo da história do Brasil. Vivemos sob a égide de um governo ilegítimo comprometido com o capital privado que, com o apoio da maioria do Congresso Nacional, da grande imprensa e de parte do judiciário, aprovou privatizações, corte de direitos e agora pretende acabar com a garantia da aposentadoria. Nesse cenário vale tudo para agradar o tal “mercado”, em especial o sistema financeiro privado. Assim, tirar a Caixa da concorrência parece que se tornou prioridade. Infelizmente, não são divulgados apenas fatos, mas também muitas especulações e até artigos com ofensas aos empregados, que são concursados e não estão no banco por conta de “cabide de empregos”. Em torno de 20 pessoas, de um universo de 87 mil empregados, não passam por concurso público. A Caixa é controlada e supervisionada por 17 órgãos diferentes, muito mais que os bancos privados. Ao tentar colocar na Caixa a pecha de empresa “corrupta”, o que se quer é desvalorizá-la, a exemplo do que se fez com a Petrobras.
Você é a única representante dos empregados no CA. Qual é a composição de forças no Conselho?
Rita - Veja, a Caixa, hoje, é objeto de intensa disputa política. Seu conselho de administração, que passa a ter poderes de gestão com o novo estatuto, tem no momento sete componentes, sendo quatro indicados pelo ministério da Fazenda (que tem no comando Henrique Meirelles, banqueiro e pré-candidato à presidência da República); um indicado pelo ministério do Planejamento, o presidente do banco e eu, como representante eleita dos empregados por voto direto. Ou seja, em qualquer votação, os indicados dos ministérios formam maioria. Em breve, pelas regras do novo estatuto, também haverá a figura do conselheiro “independente” – mas independente apenas no nome, porque será selecionado alguém do mercado indicado também pelo ministério da Fazenda. Enquanto Temer e o ministro Meirelles disputam a Caixa politicamente, a empresa sofre e perde sua identidade, sua integralidade como banco público. Conseguimos impedir que se tornasse S/A, mas há outras formas de desmonte que podem inclusive vir das decisões do CA. O ideal seria ter mais representantes dos empregados no CA, a exemplo do que ocorre em países como a Alemanha, por exemplo, onde o percentual de trabalhadores chega a 50% nas empresas públicas ou privadas com mais de 2 mil funcionários.
Uma das notícias recentes sobre a Caixa foi o afastamento de vice-presidentes suspeitos de cometer irregularidades. Qual sua avaliação sobre esses afastamentos?
Rita - A Caixa é uma empresa centenária e em todos esses anos esteve diversas vezes envolvida em denúncias, que culminaram em investigações, o que acredito ser correto, pois se há indícios de erros, é preciso investigar. A diferença entre a empresa pública e a privada é que na primeira a fiscalização existe. Sempre defendi que, havendo suspeita de dolo ou desvio de conduta, seja em qualquer área, deva ser feito processo investigativo minucioso, com transparência e direito de defesa aos envolvidos. Nesse caso dos vices, o processo de investigação ainda estava em fase de conclusão no CA quando a imprensa divulgou, e em seguida houve o afastamento de quatro pessoas, para depois o Conselho reavaliar e chegar à conclusão de que deveriam ser três os retirados do cargo. Nesse caso existe um prejuízo evidente para os envolvidos, e não se pode admitir que as pessoas sejam expostas sem que a culpa tenha sido confirmada e o direito de defesa garantido. Isso deve valer para todos os brasileiros, empregados da Caixa ou não, mas infelizmente não é o que está acontecendo no Brasil de hoje.
Outra notícia foi que a Caixa pretende reajustar em 37% o salário anual de seus 12 vice-presidentes. A informação é correta?
Rita - Não. Houve um erro comparativo e creio que também na divulgação desses dados no site da Caixa, pois a diferença não fica explicitada. Após essa divulgação solicitei a relação de salários dos membros da direção do banco, diretores, vices e os respectivos reajustes ocorridos entre 2016 e 2018. A resposta é que não houve aumento na remuneração de dirigentes e conselheiros, estão congelados desde 2016. As informações disponíveis no site do banco apresentam duas tabelas, sendo uma com a remuneração realizada no período de 01/04/16 a 31/03/2017 e a outra com a remuneração projetada e orçada para pagamento no mesmo período de 2017/2018, isso gerou a confusão e a imprensa se aproveitou para desgastar o banco.
Um tema atual na Caixa que merece discussão é a necessidade de capital. Ele vem sendo tratado com ênfase pela direção do banco e pela imprensa, que especula sobre a “quebra do banco”. Qual a sua avaliação?
Rita - A forma como vem sendo pela divulgado pela imprensa é capciosa, voltada aos interesses do mercado. Ora, sabe-se que, por determinação dos órgãos reguladores, os bancos deverão cumprir as regras do acordo de Basileia III até janeiro de 2019. E isso implica em prevenir o risco de crédito com a criação de exigências mínimas de reserva de capital. Como no caso da Caixa é o governo o cotista único, a ele caberia aportar capital para cumprir a resolução. No entanto, afirma que não irá fazê-lo, alegando a crise fiscal. A decisão do governo não tem cunho econômico, mas político, haja vista o retorno que a Caixa traz ao investir no desenvolvimento do Brasil, em administrar as operações do governo e em repassar parte dos seus dividendos para o Tesouro. E as consequências da negativa são evidentes: sem o aporte, para economizar capital o banco diminui drasticamente a oferta de crédito, aumenta tarifas, corta sua estrutura, reduz o número de empregados, fecha agências, vende ativos e por aí vai... É um círculo vicioso, e o país perde.
Foi aprovado pelo Congresso lei autorizando o uso do FGTS para a capitalização da Caixa; o presidente sancionou e o ministro da Fazenda desautorizou. O que está ocorrendo?
Rita - Existem de fato, alguns questionamentos sobre o uso desses recursos, mas o desfecho é mais uma demonstração da disputa interna do governo, e o que menos conta nesse processo para eles é a sustentação do banco; agora dizem que isso será resolvido de outras formas e uma delas, com certeza, será o corte de crédito e de financiamento para o desenvolvimento do país.
Houve grande vitória contra a Caixa se tornar S/A no debate do novo estatuto, mas ele manteve itens diretamente ligados aos direitos dos empregados, e o CA passa a ter poder de gestão inclusive sobre cláusulas trabalhistas. Você concorda com isso?
Rita – Não. O estatuto não deveria tratar de temas como PLR, Saúde Caixa ou acordos coletivos, quantidade de pessoal, gestão de pessoas e outros. Nas votações sobre essas inclusões, todos os meus votos foram contra, assim como no item que estabeleceu que os vice-presidentes e o auditor poderão ser contratados por empresa externa. Embora a medida possa parecer orientada a profissionalizar a gestão superior, sinaliza claramente a busca por profissionais externos e recrutados no mercado, em detrimento da profissionalização interna da empresa. Além disso existe uma intervenção dura do governo para retirar direitos dos empregados de empresas públicas, acabou de ser publicada resolução CGPAR sobre planos de saúde, retirando garantias conquistadas.
Como a Caixa pode melhorar sua gestão?
Rita – Com democracia e transparência. Além disso, é preciso aumentar a participação dos empregados no Conselho de Administração, porque o papel dos trabalhadores é fundamental, para fiscalizar e garantir que a Caixa se mantenha pública, sustentável, íntegra e focada no desenvolvimento do país. Defendo que todos os cargos da direção sejam ocupados por empregados de carreira, não há nada mais transparente e isento do que o concurso público.
Quais ações são importantes nesse momento para defender a Caixa e os direitos dos trabalhadores?
Rita – Precisamos fortalecer a organização que garantiu nossa vitória sobre a Caixa se tornar S/A, e para isso é necessário que os bancários se organizem em seus sindicatos e entidades associativas e reajam contra e esses ataques ao banco, que atingem também à sociedade, ao ideal de uma Caixa 100% pública e do País que se deseja. O presidente Temer é um golpista, mas é ele que está no comando e seu governo já sinalizou que vai privatizar o que for possível. Há um projeto de Brasil que atende apenas ao mercado, e isso tem de mudar com as eleições que se aproximam e, que, esperamos, sejam democráticas. Do contrário será muito difícil manter a Caixa que queremos.