Cidade se tornou por três dias a ´capital do Cone Sul´; Sindicato participou da organização do evento e distribuiu boletim sobre o golpe militar no Brasil
O seminário Ditaduras no Cone Sul – 50 anos depois, realizado no último final de semana em Santo André, e que teve entre seus organizadores o Centro de Memória do Grande ABC e o Sindicato, atraiu milhares de pessoas durante os três dias de realização. Durante a abertura, na sexta, 8, o teatro municipal da cidade ficou lotado, e centenas de participantes tiveram de assistir ao evento numa tela instalada no saguão do espaço.
A solenidade de abertura contou com representantes de países como Chile (Andrés Allende, sobrinho do ex-presidente Salvador Allende), Paraguai (Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai), Argentina (Rafael Follonier, militante revolucionário e atual secretário de governo) e Brasil, com a presença de João Vicente Goulart, filho do ex-presidente Jango, e Criméia de Almeida, ex-guerrilheira no Araguaia que foi presa e torturada pela ditadura militar brasileira quando estava grávida.
Todos eles, sem exceção, destacaram a necessidade de união dos países latino-americanos para evitar que as ditaduras patrocinadas pelos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970 voltem a se repetir. André Allende lembrou que ainda hoje os militares formam uma casta na sociedade, e que é preciso que também este setor seja democratizado. Lugo apontou que se deve não apenas recordar, mas, sobretudo, pensar no futuro dos países. Ele declarou que, naquele dia, Santo André era ´a capital do Cone Sul´.
Já o argentino Follonier comemorou o fato de que muitos dos militares torturadores tenham sido condenados e presos em seu país, enquanto o filho do ex-presidente Jango – que foi deposto pelo golpe de 1964 – alertou para a necessidade de que seja criado um instituto que dê continuidade aos trabalhos iniciados pela Comissão Nacional da Verdade, que investiga os crimes cometidos no período no Brasil.
O depoimento da ex-guerrilheira Criméia, quase às vésperas do Dia das Mães, emocionou a plateia, que se levantou em peso para aplaudi-la. Ela contou que teve seu filho quando estava presa, em 1972, que ele foi levado para longe dela imediatamente após nascer para não ser amamentado e que não tinha sequer uma roupinha para vesti-lo. “Não foram agentes cruéis que fizeram isso comigo. Foram altos mandatários do Estado”, afirmou, lembrando que recebeu choques, foi espancada e, um dia, recebeu um cartão de felicitações pelo nascimento do bebê da mulher do general Orlando Geisel, o segundo homem mais influente da ditadura militar no governo Médici (1969-1974).
Durante a abertura também foi distribuído boletim produzido pelo Sindicato sobre os 50 anos do golpe militar no Brasil, com foco no apoio dos banqueiros ao golpe, a resistência ao regime na região do Grande ABC e a retomada do processo de redemocratização. O anfitrião do evento, prefeito Carlos Grana, lembrou que esse processo começou na região, com o movimento dos trabalhadores e a liderança de Lula, comemorou avanços mas pontuou que “ainda estamos longe da democracia ideal, pela ditadura do crime organizado e insegurança”. Dezenas de políticos e representantes sindicais também participaram da solenidade de abertura.
Futebol - No sábado, a mesa foi mediada pelo presidente do Sindicato, Eric Nilson, que deu início às apresentações com o desejo de que as ditaduras deixem de existir no mundo. Ganhou destaque o depoimento do jogador de futebol chileno Carlos Caszely, que atuou no Colo-Colo e na seleção. Ídolo popular em seu país, ele foi dos poucos atletas a se opor ao ditador chileno Augusto Pinochet, recusando-se a cumprimentá-lo numa solenidade. Como represália, teve a mãe sequestrada e torturada pela ditadura.
Já no depoimento do outro participante, o deputado da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Juan Carlos Giordano, um pouco da história argentina recente foi recontada. Como o tema era Copa do Mundo de futebol e os golpes militares – Pra frente Brasil, Giordano lembrou frases estratégicas da ditadura argentina, o uso do campeonato como propaganda e a discussão entre os opositores do regime militar para saber se afinal seria correto ou não comemorar o título conquistado em 1978. A ditadura na Argentina deixou 30 mil mortos, além do sequestro e troca de identidade de bebês que nasciam quando suas mães estavam presas. Muitos deles foram recuperados pelo movimento das Mães da Praça de Maio, que hoje buscam não apenas os filhos das grávidas militantes assassinadas, mas também seus netos.
O encerramento do seminário aconteceu no domingo. Durante todos os dias do evento as palestras foram sucedidas por apresentações musicais a cargo do grupo Canto Libre. Os músicos apresentaram composições dos países participantes e poemas como Os Inimigos, do chileno Pablo Neruda, que traz entre seus versos o desejo de justiça: “Para os que defenderam este crime, peço castigo. (...) Não vos quero como embaixadores, tampouco em casa tranquilos. Quero ver-vos aqui julgados, nesta praça, neste lugar. Quero castigo”.