Reféns do mercado financeiro? Entenda como autonomia do Banco Central é posta em xeque com a política monetária que mantém o Brasil como um dos países mais caros para se viver
O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), decidiu nesta quarta-feira (19) elevar mais uma vez a taxa básica de juros do país, a Selic, em 1%. Com isso o índice passa a valer 14,25% ao ano (a.a.) e reforça a posição do Brasil como um dos países mais caros para se viver e para o desenvolvimento de empresas.
"Há anos o Brasil mantém uma taxa básica de juros abusiva e que, além de influenciar nas altas taxas de juros de todo o sistema bancário, somente beneficia um pequeno grupo de rentistas. A última queda na Selic foi em maio do ano passado, que já estava num nível absurdo, de 10,50%. A entidade voltou a subir o índice em novembro e não parou mais, a cada novo encontro do Copom", explica a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Juvandia Moreira. "O resultado disso é um país com uma das maiores taxas de juros reais do mundo, o que encarece o custo de vida, prejudica o desempenho das empresas e aumenta os gastos do governo, drenando dinheiro público que deveria beneficiar todos nós", completa a dirigente.
Nas decisões sobre a Selic, o Banco Central aponta como justificativas a pressão do preço dos alimentos e da energia, isso porque a taxa básica de juros é hoje o principal instrumento utilizado pela entidade para controlar a inflação. Assim, aumentando os juros, as pessoas gastam menos e, quanto menor o gasto, menor a inflação.
"Reiteradamente, temos apontado a falácia desse argumento, ou seja, do aumento da taxa básica de juros para controlar os preços dos alimentos e da energia. Isso porque, nos últimos anos, o aumento desses preços não está ligado ao consumo das pessoas, mas a outros fatores", explica o secretário de Assuntos Socioeconômicos da Contraf-CUT, Walcir Previtale.
Alguns exemplos é o café, que teve o preço aumentado significativamente por causa das temperaturas mais quentes e que prejudicam as plantações. A questão ambiental também está por traz dos aumentos na energia - a redução de chuvas, em algumas regiões, prejudicou os reservatórios de água em hidrelétricas. No caso mais recente em que o valor de um alimento disparou, está o ovo, com vários fatores envolvidos: calor extremo e que prejudica as aves; o período de quaresma (festa religiosa onde as pessoas comem mais ovos em substituição da carne vermelha); e o aumento de exportação para os Estados Unidos, onde o preço de ovos atingiu recordes por conta do surto de gripe aviária naquele país.
Remédio errado, paciente doente
"O uso da Selic para combater esse tipo de inflação que temos enfrentado, de alimentos e da energia, não tem eficácia, porque essas alterações de preço não têm como raiz o aumento do consumo, ainda que o mercado esteja aquecido", explica o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Gustavo Cavarzan. "Um debate sério nesse momento deveria passar pela recomposição dos estoques reguladores de alimentos para amenizar variações sazonais de preços e, de um ponto de vista mais estrutural, por medidas capazes de conter o agronegócio em relação às queimadas e demais impactos climáticos, além do debate da ampliação da matriz energética do Brasil. Portanto, é como se o Copom estivesse, reiteradamente, dando um remédio não indicado contra uma determinada doença", completou.
O problema é que esse remédio errado está prejudicando a saúde do Brasil, como já indicaram abertamente nomes renomados como do professor da Universidade de Columbia, Joseph Stiglitz. Ao contrário da visão do mercado brasileiro, que apoia as decisões do Copom, o prêmio Nobel de economia afirmou que as altas taxas de juros praticadas ao longo dos anos pelo Banco Central trouxeram sérios prejuízos ao país.
“Historicamente, vocês tiveram altas taxas de juros, que deram desvantagem competitiva, que vocês têm que superar com empreendedorismo e inovação. A pergunta é onde estaria se tivesse uma política monetária mais razoável. Eu diria que estaria num crescimento econômico muito maior”, afirmou o professor, que ainda chamou de “pena de morte” a manutenção do índice em dois dígitos por tanto tempo. “O que surpreende é que vocês tenham sobrevivido”, completou.
Para o vice-presidente da Contraf-CUT, Vinícius Assumpção, o discurso único do Copom para manter a taxa de juros elevada no país vem colocando em xeque a imagem da entidade. "Fica cada vez mais claro que não temos autonomia do Banco Central. Porque, se houvesse, o país não estaria hoje sofrendo com esse índice da Selic, proibitivo para o crescimento, para o desenvolvimento econômico, para o trabalhador e que faz com que vivamos em um país onde a gente financia um carro e tem que pagar por dois ou três, ainda que levando apenas um para casa, porque os juros são criminosos. E isso impacta em todo o desenvolvimento econômico, até mesmo para que as empresas se estabeleçam e cresçam", explicou.
Incentivo à especulação
Os principais beneficiados com a Selic elevada são os detentores dos títulos da dívida pública. Atualmente, as instituições financeiras são as maiores detentoras desses papéis que têm a taxa básica de juros do país entre os índice de negociações.
Levantamento realizado pelo Dieese mostra que, em 2023, a União pagou mais de R$ 732 bilhões com juros dos títulos. O valor equivale a 4,3 vezes os investimentos com o Bolsa Família, 8 vezes o montante direcionado para o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), voltado à recomposição e expansão da infraestrutura do país, além de 3,3 vezes o orçamento para a Saúde e 5 vezes o orçamento para a Educação.
Fonte: Contraf-CUT