“Não pode acordar num dia, olhar para o trabalhador e dizer ‘não fui com tua cara hoje’, por isso vou te demitir. A 158 determina que deve-se justificar o motivo. É a proteção contra a demissão arbitrária”, explica advogado da CUT
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na sexta-feira, (19), o julgamento de uma ação que pode impedir trabalhadores e trabalhadoras de serem demitidos sem justa causa.
Os ministros julgam a inconstitucionalidade de uma medida tomada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1996, que retirou o Brasil da lista de signatários da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da demissão sem justa causa.
À época, em 1996, FHC havia decretado a incorporação da Convenção à Legislação Brasileira, mas, no mesmo ano, baixou o decreto determinando que o Brasil não aplicaria a regra. O rito adotado foi a chamada ‘denúncia’.
A Convenção 158 determina que empresas e patrões não podem demitir trabalhadores de forma imotivada. Portanto, a demissão sem justa causa, tem que ser justificada. O que o STF julga é se o ex-presidente FHC poderia retirar o país de uma regra assinada com um organismo internacional, a OIT, sem antes pedir a autorização do Congresso Nacional, o que seu governo não fez.
Ouvido pelo Portal da CUT, o advogado José Eymard Loguercio, sócio do escritório LBS Advogados, que presta assessoria jurídica à Central, explicou que a convenção reza que o patrão, ao demitir o funcionário, tem de ter motivos plausíveis para o ato.
“Não pode acordar num dia, olhar para o trabalhador, dizer ‘não fui com tua cara hoje’, por isso vou te demitir. A 158 determina que deve-se justificar o motivo. É a proteção contra a demissão arbitrária que não tenha motivação financeira, administrativa ou econômica, salvo os casos de demissão por justa causa, previstos na CLT”, diz Eymard.
Trecho do texto diz que “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”
Ele explica ainda que a própria Constituição já traz em seu artigo 7°, inciso 1° que a relação de emprego será protegida contra despedia arbitrária ou sem justa causa, mas que, no entanto, isso será feito por meio de lei complementar. Desde 1988, quando foi promulgada a Constituição, nenhuma lei nesse sentido foi elaborada.
À época foi instituída uma contrapartida até que houvesse uma regulamentação. “O aumento da multa do FGTS, até a Constituição de 1988, era de 10%. Aumentou para 40% justamente por ser essa contrapartida”, explica o advogado.
De acordo com Eymard Loguercio, a rigor, o patrão deveria justificar a demissão, como já citado, com motivos plausíveis, justificados. “Na prática significa que a empresa não pode simplesmente comunicar ao trabalhador ‘passe no RH e receba seus direitos’. Se trabalhador é demitido, por exemplo com a justificativa de que corte de custos ele poderá contestar na Justiça, caso perceba que tal motivo não corresponde à realidade, pedindo reintegração ou mesmo indenização”, ele diz.
Ou seja, se um funcionário é demitido com este motivo e percebe que para sua função foi contratado outro trabalhador ou mesmo tenha notícia de que a empresa não está em corte de custo, poderá questionar.
No entanto a previsão, de acordo com o placar até agora (veja a seguir), é de que a Convenção não volte de imediato a ter efeito. Em um cenário favorável, o processo voltaria da estaca zero, ou seja, o país adotando a Convenção, no entanto, tendo de cumprir um rito para que ela fosse válida, o que inclui passar por votação e aval do Congresso Nacional.
Como a sessão do Supremo é virtual, os ministros terão até às 23h59 da próxima sexta-feira (26), para inserir seus votos.
As regras da Convenção 158
A Convenção 158 da OIT estabelece ainda uma série de regras que impedem os patrões de demitirem sem justa causa como:
- a filiação a um sindicato;
- a candidatura para o cargo de representante dos trabalhadores;
- o fato de apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;
- a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social;
- a ausência do trabalho durante a licença-maternidade;
- a ausência temporal do trabalho por motivo de doença ou lesão;
- possibilita a defensa do trabalhador em caso de demissão por comportamento ou desempenho e;
- em caso de dispensas consideradas arbitrárias, os trabalhadores podem acionar a Justiça para decidir a questão e cobrar indenização.
Tramitação
A ação em julgamento no STF foi movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela CUT e tramita há 26 anos na Corte. O julgamento teve início em 2002 e de lá para cá, seis ministros que passaram pelo STF pediram vistas do processo, adiando a votação.
As entidades argumentaram que presidente da República não pode, sem o aval do Congresso Nacional, decidir sobre a incorporação ou exclusão do país em normas internacionais do trabalho, ou seja, nas convenções da OIT.
Pelo placar da votação, até agora, de acordo com Eymard Loguercio, são três as situações possíveis, caso o julgamento seja concluído, ou seja, se não houver nenhum outro pedido de vista por algum dos ministros do Supremo.
Ao menos um entendimento sobre o caso já está definido. É o de presidente não pode, de forma unilateral, portanto, sem aval do Congresso, fazer a “denúncia”, como fez FHC, resultando em uma não adoção da convenção.
Partindo desse entendimento, uma das hipóteses é de que essa decisão valha somente para convenções futuras; outra, a hipótese de que a “denúncia” só terá eficácia após o Congresso analisar; e, por último, a hipótese de que a denúncia feita em 1996 por FHC tem eficácia, mas o Congresso, ainda assim, precisa avalizar.
Votação dos ministros
Quatro ministros, alguns inclusive que já deixaram o STF, já votaram pela improcedência da ação, votando para que a Convenção 158 não volte. São eles os ex-ministro Nelson Jobim e Teori Zavascki.
Outros dois ministros, Gilmar Mendes e Dias Toffoli já votaram pela procedência da tese, ou seja, de que presidente não tem poder para realizar a denúncia de convenções sem o aval com Congresso, mas em seus posicionamentos, votaram para que a decisão não seja retroativa ao caso da 158.
O relator, ex-ministro Maurício Corrêa e o ministro Ayres Brito votaram para que o decreto de FHC (a denúncia) deve passar pelo aval do Congresso para ter efeito.
O voto dos ex-ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, e de Rosa Weber são de que o decreto foi inconstitucional e que para o presidente da República deixar de aplicar convenções, como fez FHC, deverá ter aval do Congresso.
Faltam votar os atuais ministros André Mendonça e Nunes Marques, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Fonte: CUT