Campanha começa no Dia da Consciência Negra e inclui, além da discussão contra violência de meninas e mulheres, o combate à discriminação racial
No Brasil, a cada 10 minutos o corpo de uma mulher ou de uma menina é violado e a cada sete horas ocorre um feminicídio, segundo dados divulgados neste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “A violência de gênero, que atinge tanto a consciência quanto o corpo da mulher, é persistente na sociedade porque é estrutural”, explica a secretária da Mulher da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Fernanda Lopes. “É por isso que a luta para mudar essa realidade precisa ser permanente”, completa.
A Contraf-CUT integra a campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher” que, no Brasil, começa em 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) e termina em 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos). Internacionalmente, são 16 dias de ativismo, com início em 25 de novembro (Dia do Combate à Violência contra a Mulher).
Fernanda destaca que as mulheres são também as mais afetadas pela fome no país. Relatório VIGISAN, divulgado em junho, mostra que a cada 10 casas chefiadas por elas, seis sofrem com insegurança alimentar, enquanto o problema atinge 53% das casas chefiadas por homens.
“A sobrecarga causada pelo trabalho e as tarefas domésticas que as mulheres acabam por desempenhar mais do que os homens e a desigualdade no salário são os fatores que explicam essa diferença”, avalia Fernanda, lembrando que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Estatística e Estudos Socioeconômicos (IBGE) mostra que, no Brasil, as mulheres ganham cerca de 20% menos que os homens, mesmo comparando trabalhadores com mesmo perfil de escolaridade e idade. “Já na categoria bancária, as mulheres recebem, em média, 78,1% do salário dos colegas do sexo masculino. A remuneração média das mulheres pretas bancárias é ainda menor: 59% da média dos homens brancos”, prossegue.
Tamanho do retrocesso
Nos últimos quatro anos, as políticas públicas criadas para enfrentar a violência de gênero no país passaram por grandes retrocessos. Dados disponibilizados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mostram que até julho de 2022 havia mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres e ainda que cerca de 70% das mulheres vítimas de feminicídio no Brasil nunca passaram pela rede de proteção.
“O irônico é que o mesmo Ministério da Mulher destinou, em 2022, o menor recurso dos últimos quatro anos para os programas de combate à violência”, rebate Fernanda Lopes se referindo a um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “Segundo a entidade, o corte de verbas deste ano para essa finalidade foi de 33%, mesmo tendo orçamento disponível”, arremata. Outra pesquisa, dessa vez do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que em 2020 o governo Bolsonaro executou apenas 25% do orçamento para o Ligue 180, serviço de utilidade pública de enfrentamento à violência contra a mulher.
A verba destinada ao Ministério da Mulher para a proteção de gênero caiu de R$ 101 milhões, em 2020, para somente R$ 9 milhões em 2022. Nos quatro orçamentos elaborados e enviados pelo governo Bolsonaro ao Congresso, referentes aos anos de 2020 a 2023, foram destinados apenas R$ 22,96 milhões para políticas específicas de combate à violência contra a mulher. A queda é de 94%, considerando os quatro anos anteriores (2016/2019), que não foram enviados por Bolsonaro, quando os recursos destinados foram R$ 366,58 milhões.
Campanha entre os bancários
Nos próximos dias, além de divulgar informações sobre os 21 Dias de Luta nas redes sociais e site Contraf-CUT, a secretária da Mulher participará de uma entrevista no ContrafCast, para fazer um balanço de como foi o combate à violência de gênero, no contexto político-social dos últimos quatro anos, além de abordar qual é a expectativa com a mudança de governo no país.
“As políticas públicas são um instrumento importante para avançarmos. Como vimos, os recursos destinados para combater a violência contra a mulher praticamente desapareceram no último período. Nossa avaliação é que, não fossem a força dos movimentos sociais levando esse debate para as redes sociais e imprensa, teríamos um quadro muito pior hoje”, observa Fernanda Lopes.
A secretária destaca que, entre as contribuições do movimento sindical bancário contra este cenário está a criação, em agosto de 2021, do projeto “Basta! Não irão nos calar!”, para oferecer assessoria técnica às federações e aos sindicatos quanto a implantação de canais de atendimento jurídico especializado para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. “A ideia foi inspirada em um programa com o mesmo nome, criado no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, em dezembro de 2019”, explica Fernanda. Clique aqui para baixar a cartilha do “Basta!”
Outro avanço conquistado este ano pela categoria foi a inclusão de uma cláusula sobre assédio sexual na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) e nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) dos funcionários do Banco do Brasil e dos empregados da Caixa Econômica Federal para os próximos dois anos.
“Nós ainda defendemos que o Brasil ratifique a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre combate à violência e ao assédio no ambiente de trabalho”, pontua Fernanda.
Sobre o período de ativismo
Os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher foram estabelecidos em 1991, durante reunião do Centro de Liderança Global de Mulheres (CWGL) e, hoje, cerca de 150 países estão engajados na campanha.
A iniciativa em âmbito mundial começa no dia 25 de novembro em homenagem às irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”, que enfrentaram Rafael Leónidas Trujillo Molina, ditador da República Dominicana entre 1930 e 1961.
“Se me matam, levantarei os braços do túmulo e serei mais forte”, foi como Minerva respondeu às ameaças do regime. Em 25 de novembro de 1960, seu corpo foi encontrado junto com os de suas duas irmãs e do motorista Rufino de la Cruzno, no interior de um jipe, situação que se tornou o estopim para o recrudescimento das revoltas que aceleraram a queda da ditadura Trujillo.
As irmãs Mirabal se converteram em um símbolo contra a violência de gênero. Foto: Casa Museo Hermanas Mirabal
Fonte: Contraf-CUT