Ideia do ministro é criar programa que aproveite mão de obra jovem, com renda abaixo do salário mínimo, a pretexto de formação profissional. Plano de Guedes incentiva precarização do trabalho, segundo a CUT
Sem uma proposta concreta e efetiva para gerar emprego e renda no Brasil depois de quase dois anos e meio de governo, o ministro da Economia de Jair Bolsonaro (ex-PSL), o banqueiro Paulo Guedes, apresentou uma proposta para gerar vagas com renda abaixo do salário mínimo para jovens. O argumento é de que eles receberão formação profissional. Para a CUT, plano de Guedes incentiva precarização da mão de obra jovem.
Em fevereiro deste ano, ainda quando protelava a decisão de pagar novamente o auxílio emergencial, o ministro ventilou a possibilidade de lançar um programa chamado Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), voltado a trabalhadores jovens que nem trabalham e nem estudam – a chamada geração ‘nem-nem’.
Semana passada, sem dar maiores detalhes, Guedes afirmou que o plano consiste em dar um incentivo a esses jovens para eles terem acesso à qualificação profissional e renda. O salário, com valor inferior ao mínimo constitucional chegaria a R$ 600 – o salário mínio hoje é de R$ 1.100. O jovem trabalharia para a empresa em caráter de treinamento por um período determinado (quatro meses, de acordo com Guedes) e metade desse valor (R$ 300) seria bancada pelo governo.
A ideia de Guedes vem na esteira da Medida Provisória que instituiria a Carteira Verde Amarela, programa do governo que propunha flexibilizar direitos, reduzindo custos de patrões a pretexto de estimular contratação de jovens de 18 a 29 anos.
Obsessão por tirar direitos dos trabalhadores
Insistindo na falácia de que a formalização no mercado de trabalho não é maior no Brasil porque a legislação trabalhista é obsoleta, com esse plano para os jovens, o ministro da Economia estaria abrindo caminho para sua obsessão de retirar ainda mais os direitos dos trabalhadores, já atacados pela reforma Trabalhista de 2017, no governo de Michel Temer (MDB), que fez uma devassa na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A afirmação é do o secretário de Relações do Trabalho da CUT, Ari Aloraldo Nascimento.
“É mais uma das ideias mirabolantes que o governo lança, sem maiores estudos, sem levar em consideração as reais necessidades dos trabalhadores e sem se configurar como uma política efetiva de geração de emprego e renda”, afirma o dirigente.
“E nem mesmo para os jovens”, completa.
Vai aumentar a precarização do mercado de trabalho
Ninguém é contra um auxílio econômico para os jovens ou qualquer brasileiro durante uma pandemia que agravou a crise econômica que já vinha causando prejuízos a classe trabalhadora desde o golpe de 2016, que tem um saldo de mais de 410 mil pessoas mortas e mais de 14 milhões de desempregados, ressalta Ari.
“Mas não dá para aceitar iniciativas oportunistas que vão deteriorar ainda mais as relações no mercado de trabalho”, completa o dirigente.
E sobre isso, quem dá mais detalhes é a técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese/Subseção CUT), Adriana Marcolino.
“Definitivamente não é uma política adequada para trazer o jovem para o mercado de trabalho. O que o governo está fazendo é usar esse segmento para precarizar ainda mais o acesso ao trabalho”, ela diz.
Ou seja, Guedes tenta, a qualquer custo, em proposta que envolve uso de dinheiro público e privado, pôr em prática sua ideologia liberal baseada no conceito de que trabalhador é custo (alto) para empresa e tem de pagar a conta.
“Não precisa nem imaginar como seria. Fica evidente que as empresas vão se utilizar dessa mão de obra, barata, sem pagar direitos, no lugar de contratar trabalhadores, via CLT, com salários mais dignos”, diz Adriana.
E a história das lutas da classe trabalhadora comprova essa relação. É prática da maior parte das empresas substituir mão-de-obra formal por trabalhadores sem direitos, precarizados, em nome do lucro. “É isso que vai acontecer. Patrões vão demitir para contratar esses jovens, a pretexto de treinamento, mas na verdade serão apenas trabalhadores mais baratos”, complementa Ari Aloraldo.
Além da pandemia
De acordo com apuração da Folha de SP, o governo acena com a possibilidade de o programa ser permanente. Funcionaria como teste durante a pandemia e seria efetivado após a crise sanitária.
“É politicagem o que o governo está fazendo. Além de usar a juventude como desculpa para retirar direitos, usa a pandemia como pretexto para anunciar que tem, em tese, políticas de geração e capacitação profissional”, diz Ari Aloraldo
Propor um valor irrisório para usar a mão de obra jovem com a desculpa de capacitação profissional, com um salário irrisório não é nem de longe uma política para a juventude
Outra questão levantada pelo dirigente é sobre o tipo de qualificação já que não houve nenhum indicativo do governo sobre do que exatamente se trata. Segundo a reportagem, uma das possibilidades seria um convênio com o Sistema S, que seria responsável pelo treinamento.
“O governo não diz qual seria essa qualificação e fica a dúvida. Se um jovem vai ser treinado na empresa, recebendo esse valor irrisório, ele será treinado para que? Para ser um informal depois?”, questiona Ari.
Ele afirma ainda que o correto é ter propostas de inserção no mercado de trabalho combinadas com a educação, o acesso a tecnologias e o acesso à universidade, como foi o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em 2011 no governo de Dilma Roussef (PT).
O programa foi idealizado para oferecer e democratizar cursos gratuitos de qualificação profissional por meio de parcerias com as redes de ensino, tendo como público alvo estudantes do ensino médio da rede pública de ensino, além de estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), trabalhadores e beneficiários de programas de transferência de renda.
No mercado de trabalho
O programa, ainda de acordo com Guedes, poderia atingir dois milhões de trabalhadores jovens ‘nem-nem’. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, em 2019, eles eram quase 11 milhões. Cerca de 43% deles (entre 15 e 29 anos) estavam entre os 20% mais pobres da população
No total, o Brasil tem 47,3 milhões de jovens, o que representa 23% da população brasileira.
- Edição: Marize Muniz